
26 dez PESQUISA DA VACINA OXFORD/ASTRAZENECA APRESENTA ERROS, INFORMA A AGÊNCIA REUTERS
A Agência de Notícias Reuters publicou em seu site, no dia 24/12, uma longa reportagem (original em inglês) revelando a ocorrência de erros técnicos na pesquisa para fabricação da vacina desenvolvida pelo Laboratório AstraZeneca em convênio com a Universidade de Oxford.
A descoberta foi feita após profundo trabalho de jornalismo investigativo sobre os documentos científicos do estudo, feito pelos jornalistas Steve Stecklow, Andrew MacAskill, Ludwig Burger, Kate Kelland, Emilio Parodi.
Os profissionais da Reuters debruçaram-se sobre centenas de páginas de registros de ensaios clínicos e entrevistas com cientistas e profissionais da indústria farmacêutica, e descobriram que os próprios pesquisadores de Oxford chamavam, em seus relatórios de pesquisa, de “erro de cálculo de potência”. A admissão desse erro consta de um dos documentos publicados pela revista científica The Lancet sob o título de “Plano de Análise Estatística” de Oxford e AstraZeneca, de 17/09/2020.
Segundo a equipe da Reuters, em 05/06/2020, para corrigir o erro, os pesquisadores da Universidade de Oxford adicionaram discretamente um novo grupo de voluntários à pesquisa sobre o teste clínico da vacina. A informação consta de em um documento registrado como confidencial.
O procedimento poderia parecer algo de menor consequência num estudo de larga escala, mas, segundo a Reuters “mascarava um erro que teria consequências potencialmente de longo alcance”, pois o erro original consistia do fato de que muitos voluntários testados haviam “recebido inadvertidamente apenas cerca de meia dose da vacina”. O novo grupo de voluntários receberia a dose correta na aparente expectativa de que fosse corrigido o erro original pela observação dos resultados desse novo grupo.
Inevitável relembrar que a pesquisa Oxford/AstraZeneca largou na frente na corrida dos laboratórios para encontrar a solução para a pandemia do Covid19, e que o governo britânico encontrava-se sob forte pressão da opinião pública em função da forma errática com que lidou com a epidemia, apresentando cerca de 65 mil mortes até meados de dezembro, e que o primeiro ministro Boris Johnson garantiu o fornecimento de 100 milhões de doses, contextualiza a Reuters.
Nesse contexto o governo brasileiro apostou suas fichas na vacina da Oxford, que, além de apresentar a pesquisa mais adiantada, prometia fornecer o imunizante a baixos custos (em torno de US$ 5,00 a dose) ao passo que os laboratórios concorrentes oferecem a vacina a um preço superior a US$ 10,00 a dose. A retórica que acompanhava as notícias sobre a pesquisa de Oxford dava conta de que os pesquisadores “produziriam até três bilhões de doses da vacina de baixo custo até o final do próximo ano, o suficiente para vacinar grande parte do mundo, incluindo muitos de seus habitantes mais pobres”, evidencia a matéria.
Segundo relata a reportagem, em 23/09/2020, os pesquisadores da Oxford/AstraZeneca divulgaram um resultado noticiado como positivo, mas que continha uma informação intrigante: “anunciaram que o regime de meia dose seguido de um reforço de dose completa parecia ser 90% eficaz na prevenção do COVID-19. Duas doses completas marcaram 62%.” Na oportunidade os pesquisadores disseram não terem certeza do motivo pelo qual o regime de meia dose era muito mais eficaz do que o da dose completa.
Quem acompanha a trajetória da pesquisa do Instituto Butantan em torno do desenvolvimento da Coronavac, em associação com o laboratório chinês Sinovac, encontrará incrível coincidência de retórica e comportamentos dos representantes do instituto, se comparada à retórica dos envolvidos na pesquisa britânica, notadamente agora que veio a público a informação de que a vacina chinesa esgrimida perlo governador Doria (SP), como a grande solução para a pandemia no Brasil, apresenta eficácia de apenas 50%.
No dia 11/04/2020, Sarah Gilbert, uma das principais pesquisadoras da vacina em Oxford, disse numa entrevista ao jornal The Times, 12 dias antes de um teste clínico testar a segurança da vacina, e portanto sem dados objetivos para sustentar seu discurso, “ter 80% de certeza de que sua equipe seria capaz de produzir uma vacina bem sucedida, possivelmente já em setembro”.
Sem responder a questão da discrepância entre os resultados da aplicação da primeira e da segunda dosagem os pesquisadores de Oxford se limitaram a declarar que os estudos foram “conduzidos sob os rigorosos requisitos nacionais, éticos e regulatórios”. E que “todos os protocolos de julgamento e alterações de julgamento foram sujeitos à revisão e aprovação das autoridades competentes. Todos os dados de segurança foram revisados regularmente” (pelos reguladores).
Questionamentos aos pesquisadores de Oxford foram feitos pelo próprio laboratório AstraZeneca, patrocinador da pesquisa. Diante disso, a Agência Reguladora de Medicamentos de Saúde (MHRA), recusou-se a responder perguntas sobre a questão da contradição envolvendo a questão da dosagem, dizendo: “Nossa revisão está em andamento, então essas informações são atualmente comercialmente confidenciais”.
A reportagem prossegue as explicações sobre a possível origem do erro dos pesquisadores de Oxford tomando como fontes pesquisadores do laboratório IRBM/Advent da Itália. O relato da cronologia dos acontecimentos revela que os procedimentos dos pesquisadores de Oxford foram autorizados pelo órgão regulador britânico, o que explica a recusa dos representantes do órgão em responder aos questionamentos.
Mene Pangalos, vice-presidente executiva da AstraZeneca, afirmou que houve erro na medição da dose por parte dos pesquisadores: “Acabou sendo metade da dose”, disse ele à Reuters. O erro foi batizado de “serendipity”, em função de a análise de dados posteriormente indicar que “a meia dose, seguida de uma dose completa, chamada booster shot, era muito mais eficaz do que duas doses completas”.
A laboratório italiano IRBM/Advent informou à Reuters não haver problema com a fabricação do lote enviado aos pesquisadores de Oxford para os testes e que comunicou por escrito que o acidente de medição foi “o resultado de uma mudança no método de teste” usada para confirmar a potência da dose “uma vez que o material foi enviado”.
Segundo documentos publicados no The Lancet e investigados pelos jornalistas da Reuters, o erro foi dos pesquisadores de Oxford. Esse documentos não fornecem detalhes das tratativas entre Oxford e o órgão regulador, mas revelam que os autores do estudo buscaram aprovação para mudar seu método de medição para o usado pelos italianos, e para descobrir como proceder para corrigir o erro decorrente da aplicação da dose errada nos participantes iniciais do estudo. Dessa consulta decorreu a adição de um novo grupo de voluntários à pesquisa tal como descrita no início dessa matéria.
No transcorrer dos acontecimentos, os pronunciamentos de Oxford e do laboratório AstraZeneca em momento algum tornam pública essa informação com a clareza e a transparência requeridas por uma assunto tão sensível à saúde humana de multidões, chegando a negar que houvesse erro, conforme citações reproduzidas pela reportagem a Reuters, cujos jornalistas encerram a matéria evidenciando a contradição entre a retórica dos envolvidos e os requisitos do rigor científico.
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Cabe registrar a coincidência de o laboratório AstraZeneca divulgar, simultaneamente à reportagem da Reuters, a notícia de que estaria desenvolvendo um novo medicamento para prevenir e tratar o Covid19.
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